Como Acabará

18:12Adriane Ribeiro






Houve várias festas naquela noite, mas eu já havia decidido ficar sozinho bebendo e cheirando o pouco que tinha da minha inestimável heroína em uma ribanceira com vista para o mar, determinado a encerrar esse último dia sóbrio.

Eu acordei coberto de vômito e com dor assim que o sol se levantou, estava na praia, curtindo a brisa fresca na minha cara ressecada. Assim que eu mergulhei meu rosto na água, ouvi um gemido quase metálico de alegria, que logo se transformou em uma silenciosa descrença. A criança corria pela praia, seguida pela sua mãe. Como a opinião pública transbordava em ódio à aqueles que conscientemente se reproduziam, crianças e bebês eram algo inédito.


Nadei em uma lavagem de emoções: raiva crua de um egoísmo manifesto e também uma alegria sem nome que machucava, além de milhares de outras pontadas na minha cabeça e no meu coração. Na última década, quando ficou claro que nada poderia desviar a trajetória do cometa, os suspiros finais dos motores de propaganda repetiam incessantemente essa mensagem final: Não torne tudo pior do que já está.

Me levantei de punhos fechados, mas o meu grito de protesto morreu em meus lábios. A terra tremeu e uma onda de choque passou sob o meu pé. O impacto foi há horas, nas estepes da Ásia; a parede de fogo e pressão estava fazendo sua jornada solene ao redor do mundo até nós. A menina foi até os braços de sua mãe. Olhavam serenamente para mim, com olhos gêmeos de uma cor verde do mar. Por um momento eu encarei a óbvia epifania. A culpa logo seria lavada pela maré da raiva.

"Eu te amo", sussurrou a mãe, segurando sua filha. Eu suspirei, e o ar logo ficou turvo e espesso com a investida do vapor. Minha visão se escureceu e eu me virei para o mar uma última vez.

Via: Lua Pálida

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