O Coveiro

12:45Drika RiLi


Estava perplexo! Em estado de choque! Assim fiquei quando, certo dia, ao amanhecer, descobri que uma das sepulturas do meu cemitério havia sido violada. E o que mais me impressionou foi o fato de que o autor desse crime manteve relações sexuais com o cadáver. Lutei para acreditar que não estava louco e, não obstante, não estava mesmo.

O cadáver era de uma mulher, apresentava já um estado de decomposição e exalava um odor insuportável. Encontrava-se completamente nua e com as pernas escancaradas. Havia gotas de sêmen que iam da vagina até a altura dos seios. Por um momento, fiquei ali imóvel, um sentimento de nojo e terror, acompanhado por um calafrio, gelou-me a espinha.


Retornei meio aturdido ao meu casebre, que ficava nos fundos do cemitério, peguei uma pá, pregos, martelo, uma corda e voltei ao local do crime. Apanhei o cadáver gelado e podre, deitei-o no caixão com as mãos cruzadas sobre o peito e, em seguida, tampei-o. As travas haviam sido arrebentadas, por isso, tive que pregar a tampa por inteiro. Enrolei a corda ao meio do caixão e, com um grande esforço, conduzi o pesado volume até o fundo da cova e o enterrei.

Nesse mesmo dia não consegui fazer outra coisa, a não ser pensar no incidente que eu presenciara. Pensei em procurar ajuda policial, ou até mesmo comentar o acontecido com alguém, mas não o fiz porque, de certa forma, eu tinha um grande respeito pelos que já morreram e, também, tinha pavor a escândalos. Mas não sei como nem por que, eu sentia que esse não era o motivo certo pelo qual não procurei ajuda.

Por fim, achei melhor pôr um ponto final e esquecer esta história. Mas durante semanas não consegui me livrar da imagem da morta. À noite, acordava aterrorizado, banhado de suor, tinha a impressão de que, quando dormia, ela ficava a me vigiar, a velar o meu sono. Isso quando não tinha a impressão de ouvir o eco de sua gargalhada demoníaca vindo da tumba a percorrer o caminho até o meu quarto.

Uma manhã, quando fui regar as flores dos túmulos, deparei-me com a mesma cena anterior. A sepultura de outra mulher havia sido violada e o cadáver, completamente nu e com as pernas escancaradas, havia sofrido abuso sexual. Novamente, apanhei a pá, martelo, pregos e voltei pensativo ao local. Enquanto colocava o cadáver podre no caixão, pensei: “Esse indivíduo só pode ser alguém conhecido e que, também, conhece muito bem o cemitério”.

E não me enganei nos meus pensamentos. Ao depositar o corpo no caixão, percebi algo que parecia uma carteira, meio soterrada no montante de terra. Peguei-a, abri-a, e finalmente vi nos documentos quem era o necrófilo que mantinha relações sexuais com meus mortos. Cornélio: este era o nome do elemento responsável por aquela profanação aterrorizante. Tratava-se de um mau caráter leviano que morava a dois quarteirões do cemitério. Mas é claro! Como eu não pensei nisso antes? Só poderia ser o maldito Cornélio. Eu o conhecia muito bem, exceto sua perversão sexual.

Confesso que fiquei um pouco surpreso, pois todos os vícios que se possam imaginar ele tinha, mas sofrer de necrofilia, já era demais. Pus fim à minha tarefa, cobri com a tampa o caixão, preguei-a, envolvi a corda ao meio dele, conduzi-o até o fundo da cova e o enterrei. Peguei meus instrumentos de trabalho, a carteira de Cornélio e fui para casa.

Ao chegar, abri uma garrafa de rum, acendi um charuto e comecei a pensar comigo mesmo: “eu tenho agora em minhas mãos as provas para colocar o miserável na cadeia, sim, é isso mesmo que eu vou fazer”. A garrafa de rum já estava um pouco menos da metade quando resolvi, finalmente, ir até a polícia. De repente, hesitei, não sei explicar como, mas pensamentos macabros e sentimentos sombrios apoderaram-se do meu espírito. Dir-se-ia que eu agora era a perversidade em pessoa.

Decidi não ir até a polícia e comecei a premeditar um castigo terrível contra o Cornélio. Eu precisava acabar com aquele patife sem deixar nenhum rastro. Sabendo do seu fraco por excessos e de sua atração por cadáveres, resolvi atraí-lo para uma emboscada sem que ele suspeitasse. Verifiquei se tinha bebida alcoólica suficiente para executar o meu plano diabólico. Ah! Ah! Ah!... Uma noite, por volta das vinte e duas horas, fui à casa dele, bati palmas, chamei-o e ele apareceu sem desconfiar de nada.

— Boa noite – disse eu. – Oh, meu bom amigo Cornélio, queira me perdoar por estar-lhe incomodando a esta hora da noite! Mas, é que já faz algum tempo que tento falar com o senhor e não consigo.
— Sim, em que posso ser útil? – Disse ele.
— Bem, eu achei sua carteira na calçada próxima ao cemitério e guardei-a em minha casa. Como não sabia que iria encontrá-lo, deixei-a lá. O senhor quer ter a bondade de acompanhar-me até a minha humilde residência?
— Mas, a essa hora senhor? – Indagou.
— Ora, vamos senhor Cornélio. É rapidinho, não me diga que está com medo dos mortos?
— Não, é claro que não, é que...
— Ora, vamos, não há o que temer, o cemitério é um lugar de paz, temos que ter medo dos vivos e não dos mortos.

E seguimos para o cemitério, um lugar onde pessoa nenhuma me visitava, principalmente, à noite. Passamos por um longo corredor entre os túmulos guiados por uma lamparina até chegarmos em casa. Em nenhum momento, Cornélio demonstrou preocupação e medo, ou desconfiou de nada.
Abri a porta, entramos, pedi que se sentasse e ficasse à vontade enquanto eu ia buscar sua carteira. Peguei a carteira de Cornélio, duas canecas, uma garrafa de rum, um tabuleiro de xadrez e voltei à sala onde ele me esperava.

— Aqui está sua carteira, senhor. – Disse eu.
— Obrigado – respondeu. – Bem, já é tarde, eu preciso ir embora.
— Não, - eu disse educadamente. - Ainda é cedo, fique um pouco mais, eu sou um homem muito solitário e os mortos não me fazem companhia. Por favor, sente-se, tome um pouco de rum comigo e joguemos uma boa partida de xadrez, sim!
—Tudo bem, mas, sem demora.
— Perfeito, - sente-se.
Eram quase vinte e três horas. Cornélio havia ganhado duas partidas de xadrez e eu uma. Quando dizia que iria embora, eu encontrava meios de segurá-lo, empurrando mais rum no miserável, que já apresentava sinais de embriaguez.
— Não se vá ainda, amigo Cornélio. É muito cedo. O senhor já provou um vinho português da região de Colares ou um bom vinho espanhol?
— Não – ele respondeu, já com a língua meio enrolada.
— Só um instante, que eu vou buscar, não demoro. - Voltei com uma garrafa de colares e outra de xerez.
— Olhe, aqui estão dois dos melhores vinhos do mundo, experimente. - Enchi a caneca do desgraçado até à borda e retornamos ao jogo de xadrez.

Os ponteiros do relógio já marcavam uma hora da madrugada, as garrafas de vinho estavam vazias e eu nem me lembrava mais quantas partidas tínhamos jogado. Cornélio já cambaleava de bêbado e não dizia coisa com coisa, ou melhor, poder-se-ia dizer que só o álcool falava.

— Amigo - disse eu por fim - que tal fecharmos a noite com chave de ouro?! Eu posso contar-lhe um segredo?
“Claro que pode”, - disse o meu amigo com a voz trêmula e a língua enrolada devido aos efeitos do álcool.
— Eu tenho verdadeira veneração em praticar sexo com cadáveres! Você acredita?
— Acredito! Sério mesmo?! – Disse ele com agradável surpresa. - Eu pensei que só eu tinha esse tipo de fantasia louca! - Disse ele.
— Não! Fique sabendo que eu também adoro! Que tal irmos praticar uma orgia, com um cadáver lá fora. O senhor aceita o meu convite? - Hesitou por um momento, mas, aceitou logo em seguida.
— Sim, eu aceito, vamos lá.
— Bem, então, deixe-me pegar alguns instrumentos de que preciso e já volto.

Fui ao quarto. Peguei uma pá, martelos, pregos, correntes, um cadeado, um pé-de-cabra, cordas e mais uma garrafa de rum, e voltei à sala. Enchi as duas canecas, peguei meus instrumentos de trabalho, a lamparina, passei a garrafa de rum para o Cornélio e segui à frente rumo ao cemitério.

— Olhe, logo ali tem a sepultura de uma mulher que foi enterrada como indigente há pouco tempo, vamos até lá?! - Disse eu.
Ao chegarmos ao local, eu disse:
— Sente-se aqui enquanto eu cavo.
E Cornélio sentou ao lado do túmulo, tragando o rum no gargalo da garrafa.
Eu, por fim, depositei a lamparina ao lado da cova e comecei a cavar. A terra estava fofa e creio que levei, aproximadamente, uns vinte minutos até o buraco ficar um pouco acima da minha testa.
“Ei amigo Cornélio!?” – gritei!
— Pode pular aqui e me ajudar a tirar o caixão da cova, por favor? Levantou-se cambaleando e entrou na cova. Seguramos o caixão de ponta a ponta pelas alças e suspendemo-lo até a beira do túmulo.

Saímos de dentro da cova e imediatamente peguei o pé-de-cabra e arrebentei as travas do caixão. Ao retirar a tampa, tiramos o corpo de dentro e o odor era insuportável. O cadáver encontrava-se já em longo estado de decomposição, apresentava bolhas de pus em algumas partes do corpo e parte da carne podre grudava na mortalha. O corpo também estava murcho, ressecado, o que não me deixou dúvidas de que tinha um lugar de sobra para mais um ocupante no caixão. E não me enganei nos meus cálculos: Cornélio era um homem pequeno, franzino e, com certeza, caberia lá dentro com um pouquinho de esforço.

Senti um profundo enjoo e vontade de vomitar, ao passo que Cornélio olhava o cadáver com desejo e fascinação.

— Você primeiro amigo Cornélio, enquanto eu descanso um pouco, depois eu vou.
Cornélio passou-me a garrafa de rum e aproximou-se do cadáver. Despiu-a da cintura para baixo, escancarou as pernas dela, abriu o zíper de sua calça, deitou-se por cima da carne podre e penetrou-a.
Quando ele já estava no coito com o cadáver, - eu disse:
— Senhor Cornélio, eu sou um pouco tímido e reservado. Vou cobrir o caixão com a tampa para o senhor ficar mais à vontade (no intuito de dispersar a atenção dele).

Ah... pouco deu atenção ao que eu falei. Estava bêbado e excitado demais para perceber o terror e o perigo que encontrava-se à sua volta. “O homem é o único ser vivo que sabe que vai morrer, mas é lamentável que não sintamos quando a morte está bem próxima de nós”. Enquanto ele gozava dos prazeres de sua necrofilia, apanhei o pé-de-cabra, segurando-o fixamente com ambas as mãos. Aproximei-me dele, sorrateiramente, e desferi-lhe um golpe certeiro na nuca, que abriu acompanhado por um estalo! Emitiu alguns gemidos: - Hã... Hã...Hã..., e calou-se.

Não sabia se o matara. Com toda a calma possível, coloquei o cadáver de volta no caixão, depositei Cornélio por cima deste, peguei a tampa, cobri o caixão e fiquei sentado em cima, bebendo o restante do rum. Apanhei o martelo e os pregos. Comecei a pregar a tampa do caixão. Certifiquei-me de que a tampa estava bem pregada, quando ouvi um gemido abafado vindo de dentro do caixão, mas não era um gemido de orgasmo ou de prazer. Era um gemido de terror. Cheguei a sentir um desconforto ou remorso, mas não passou de um sentimento efêmero, pois logo meu espírito permaneceu sereno como a alma de um recém-nascido.

Eram quase duas horas da madrugada, eu estava cansado, mas precisava terminar a minha tarefa. Envolvi a corrente em volta do caixão e passei o cadeado porque queria ter certeza de que, se ele estivesse vivo, não poderia sair dali jamais. Enrolei a corda ao meio do caixão, quando ouvi outro grito abafado emitido lá de dentro:

— Socorro... Tire-me daqui... – Eu lhe imploro!

Com um grande esforço fui descarregando o caixão até o fundo da cova. Peguei a pá e comecei a jogar terra no buraco e outra vez ouvi os gritos abafados de dentro do buraco, mas agora iam ficando mais distantes. Quando joguei a última pá com terra no túmulo, fiquei plenamente satisfeito. Um denso nevoeiro cobria o cemitério, caía uma garoa fina e gélida. Tomei o último gole de rum, joguei uma coroa de rosas no túmulo, peguei meus instrumentos de trabalho, a lamparina e fui para casa dormir tranquilamente
.
E até hoje, sessenta anos depois, eu me encontro aqui, num abrigo para idosos, já no fim da vida e com este segredo guardado a sete palmos de terra. Ora, para quê procurar a polícia se eu podia punir o miserável à minha própria maneira!

Enviado por: Carlos Leite

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